Perigos e armadilhas na rede

Por Thaïs de Mendonça

Até para quem tinha dúvidas sobre a busca de notícias na internet e a substituição do hábito de leitura do jornal impresso, os resultados de uma pesquisa da Symantec, feita este ano, surpreendem. O Brasil é o país que registra o maior número de internautas cuja fonte principal de informação está nos sites de notícias e blogs: 93%. Brasileiros e chineses são os que mais baixam música pela internet: 89% das crianças e 88% dos adultos no Brasil costumam visitar com freqüência sites que oferecem música. Na China, esse número sobe: 97% (adultos) e 98% (crianças).
Relatório recente da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostrou que o Brasil ocupa a 72ª posição, em um ranking de 190 países, no uso da internet. Segundo a organização, quase 60 em cada grupo de 100 habitantes possuem celular no Brasil, enquanto em relação à internet 22,6 em 100 moradores já tiveram acesso à rede mundial de computadores.
Segundo os dados do Relatório da Economia da Informação 2007-2008, o número de celulares no Brasil triplicou nos últimos anos: de 34,8 milhões em 2002 para 99,9 milhões, em 2006. Na listagem geral sobre penetração da internet, o Brasil aparece bem posicionado em relação aos vizinhos, à frente da Argentina (78ª) e do México (79ª), embora atrás do Chile (66ª). De acordo com o Pew Institute Research, dos Estados Unidos, o Brasil foi o país que registrou o maior aumento no uso de computadores nos sete primeiros anos do milênio.
A pesquisa realizada pelo Pew Institute, com mil entrevistados em 35 países, indicou que o número de pessoas que usam computador no país subiu de 22% para 44%, um salto de 22 pontos percentuais. Na consulta mundial, o Brasil foi seguido pela Eslováquia, com aumento de 21 pontos percentuais em relação a 2002, para um total de 73% dos entrevistados.
Já o estudo da Untad aponta que subiu também o número de brasileiros usuários de banda larga: de 731 mil (2002) para 5,92 milhões (2006). No ranking geral dessa categoria, o Brasil obteve 57° lugar numa lista de 110 países, mais uma vez depois do Chile (38°) e do México (57°). Bermudas, Holanda e Dinamarca ocuparam as primeiras posições.
Embora tenha dado o maior salto, a utilização de computadores no Brasil ainda é bem menos disseminada do que em países desenvolvidos, como a Suécia, onde 82% dos entrevistados usam a tecnologia, o maior índice mundial. Em seguida vêm Coréia do Sul (81%) e Estados Unidos (80%).
“Apesar de o uso de computadores ter aumentado em muito nos países pobres ou em desenvolvimento nos últimos cinco anos, ainda é perceptível um abismo digital, fazendo com que o uso de computadores ainda seja maior nos países mais ricos”, avalia o relatório das Nações Unidas. No Brasil, 64% dos entrevistados disseram ter celular, um aumento de 28 pontos percentuais em relação a 2002, o que coloca o país na quarta posição entre os países latino-americanos.
Com a falência de seu sistema telefônico convencional, os argentinos foram os que mais aumentaram o uso do celular na região, passando de 28% para 63%, um salto de 35 pontos percentuais. A tendência de ascensão foi seguida pelos bolivianos, com crescimento de 32 pontos percentuais. No mundo inteiro, a Rússia teve o maior crescimento (57 pontos percentuais): 65% dos entrevistados têm celular. Na lanterninha ficou a Itália, que estagnou em 79%.
Se todos os indicadores parecem atestar a total e acelerada integração do Brasil à rede mundial de computadores, outras medições registram o grande problema sócio-cultural e econômico do país. No estudo da Symantec, os dados mostram, por exemplo, que mais de três quartos dos entrevistados adultos (77%) confessaram ter feito amizades pela internet. Do total, 60% disseram que gostam tanto ou mais “dos amigos on-line” – e este foi o maior índice entre os países pesquisados.
As crianças brasileiras seguem a tendência: 74% cultivam amizades pela rede. O índice só é menor do que o da China (88%). Contrastando com esse panorama, os brasileiros são os mais desconfiados (13%) quando se trata de enviar informações pessoais pela internet, como o número do cartão de crédito. Os que mais trocam dados com pessoas desconhecidas são os americanos (34%).
Na pesquisa para descobrir os hábitos de 7 mil internautas, em oito países, a empresa de tecnologia Symantec detectou que 55% dos internautas brasileiros visitam páginas com conteúdo pornográfico quando estão on-line. Os chineses aparecem em segundo lugar na listagem, com 51%. O estudo investigou os costumes de 4.687 adultos e 2.717 crianças no Brasil, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália, Alemanha, França, China e Japão.
Brasileiros – com celular e computador – aderem em massa às comunidades do Orkut, onde escrevem perfis e expõem preferências do tipo “eu amo”, “eu odeio”. Relacionam-se com desconhecidos pela internet, a quem consideram no mesmo nível de amizade das pessoas de carne e osso. As crianças também entram nessa conta, não só aprendendo a baixar músicas, como estabelecendo relações de confiança duvidosa com indivíduos que nem sabem se existem. E há milhares de internautas que se divertem vendo pornografia na rede.
O cenário não poderia ser mais alarmante. Se podemos comemorar o fato de mais gente buscar notícias no computador, também vemos com pesar os jornais de papel perderem credibilidade, por não saberem lidar com novas realidades e novos públicos. A rede – como espaço social – reproduz as características da sociedade. A preocupação de pais e mães com o acesso dos filhos à rede (mostrada na pesquisa) contrasta com o número de adultos que também se lançam em aventuras sem rostos e sem emoção – mas, do ponto de vista social, tudo isso mostra o tipo de espaço público que é a internet, com seus prós-e-contras, perigos e armadilhas.
Mostra também o nível de cultura dos brasileiros, para quem é muito fácil adestrar-se em ferramentas tecnológicas, aprendendo com o colega (que pouco lê), ali no ambiente da lan-house. Difícil é freqüentar a escola pública regular, que não tem sequer um computador e continua a oferecer ensino de baixa qualidade para populações que não podem pagar pela educação de alto nível. A exclusão é uma realidade e os resultados podem ser vistos claramente nestas três pesquisas.

Thaïs de Mendonça é jornalista, professora da UnB e pesquisadora do NEMP

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