Estadão: o senhor do tempo e da política

Por Luiz Gonzaga Motta

A cobertura pela imprensa brasileira do episódio dos cartões corporativos (ainda em curso) oferece aos analistas da mídia uma oportunidade interessante para refletir sobre o papel dos jornais como atores ativos da política contemporânea, tema ainda não estudado com a profundidade necessária.
Neste episódio a imprensa desenvolveu seu trabalho de guardião da ética pública, papel que os jornais costumam advogar para si. As denúncias dos abusos serviram para alertar a sociedade sobre os desmandos cometidos por funcionários e desencadear medidas coercitivas por parte do Estado. Até aí, tudo bem, a imprensa desempenhou um importante papel de vigilância social.
Quero aproveitar esta cobertura e fazer uma reflexão sobre a atuação dos jornais brasileiros como agentes ativos da política. Desvirtuando sua finalidade, os jornais extrapolam suas funções de quarto poder e assumiram de maneira deslavada um papel ativo no desenvolvimento da política, uma performance decisiva no jogo do poder.
Vou concentrar-me na cobertura do Estado de S. Paulo porque este jornal teve um papel determinante nas denúncias e assumiu no episódio uma função política explícita. Ele não revelou fatos apenas, foi muito além: arvorou-se como responsável pelas conseqüências que o episódio desencadeou, assumindo uma posição política explícita na cobertura. Passo a dar alguns exemplos sem pretender ser exaustivo.
No dia 31 de janeiro (pagina A4) o Estadão deu em manchete que o TCU decidira esmiuçar gastos do governo com cartões corporativos. No lide, o jornal relata, desnecessariamente, que foi ele quem revelara em reportagem do dia 13 que ministros utilizaram o cartão para quitar dívidas pessoais. Ou seja, o jornal se auto-atribui a notícia, passa a ser notícia de si próprio. Até aí, tudo bem, embora indesejáveis numa cobertura jornalística, autopromoções acontecem. Mas, há muito mais que autopromoção na cobertura do jornalão.
Neste mesmo dia e página, logo abaixo, o jornal traz matéria cujo título diz que a ministra Matilde Ribeiro balança. Nesta matéria, o jornal revela e assume a sua performance ativa na política. Ele mesmo diz que “o inferno astral (da ministra) começou quando o Estado revelou que ela gastou R$ 171,5 mil em viagens, todas pagas com cartão corporativo”.
No dia seguinte (1º. de janeiro), primeira página, o Estadão traz matéria sobre o pacote do governo limitando a ‘farra dos cartões´ (linguagem que o jornal passou a usar). Já na chamada da 1ª página, afirma que “o pacote foi anunciado 18 dias após o Estado revelar que os gastos com cartões bateram recorde no governo Lula”. O jornal não se contenta em anunciar os fatos, enaltece a sua própria performance política sugerindo que o pacote foi uma conseqüência de seus atos.
Na pagina A4, ainda na edição de 1º de janeiro, o jornalão continua se auto-enaltecendo e assumindo descaradamente sua face performativa. A matéria principal do jornal começa assim: “Dezoito dias depois de o Estado ter revelado o crescimento explosivo dos gastos com os cartões corporativos o governo decidiu ontem restringir...”. No meio do texto, o Estadão publica um fax símile de sua edição do dia 13, onde a primeira reportagem saiu.
Não se trata apenas de enaltecimento próprio. Trata-se do inconcebível fato de o jornal transformar-se na própria notícia e explicitar sua performance política. Ele atribui o desencadeamento dos fatos ao seu papel de agente dos acontecimentos e se rejubila por isso. Ele proclama ser o responsável pelas ações do governo, assume seu papel ativo de agente da política nacional. De ‘espelho’ da realidade o jornal transforma-se em agente ativo da realidade política.
O jornalão ainda não está satisfeito por ter conseguido dobrar o governo, seu apetite político é maior. No dia 2 de fevereiro o Estadão traz chamada de 1ª. página e manchete interna anunciando a queda da ministra. Quais são os agentes da história, personagens do noticiário? Claro, a ministra, que pediu demissão, e o jornal, que provou sua exoneração. O texto do lide diz: “... Matilde Ribeiro pediu ontem demissão do cargo. Em entrevista coletiva à tarde, a primeira desde que o escândalo das comprar pessoais com cartão corporativo foi revelado pelo Estado há vinte dias”. Mais uma conquista política, dobrou o governo e agora derrubou a ministra.
O jornal parece orgulhoso de sua performance. Na mesma pagina, traz um ‘calendário da queda’ onde confirma para o leitor a sua força política. O episódio, conforme o Estadão, só começa no dia 13 de janeiro, quando ele publica a primeira de suas reportagens: “O Estado publica reportagem que aponta aumento do gasto com cartões corporativos. Matilde Ribeiro é campeã entre os ministros”. O calendário segue, quadrinho a quadrinho, e no dia 29 diz: “O Estado publica reportagem apontando que a maior parte das despesas de Matilde...”. Ou seja, o jornal é a notícia, passou a ser personagem da política nacional, ele é o agente desencadeador dos próprios fatos que reporta.
Ainda no dia 02, na página A6, o jornalão traz matéria de Guilherme Scarance anunciando que escândalos já derrubaram 8 ministros. Até aí, fatos. Mas, a queda do ex-ministro Palocci, segundo o jornal, só “ocorreu oito semanas após o Estado publicar uma entrevista com o caseiro Francenildo dos Santos Costa...”. Ou seja, o jornal já tem no seu curriculum a queda de outros ministros e orgulha-se de sua performance.
O auto-enaltecimento e a arrogância jornalística chegam a ser irritantes, de tão repetitivos. No dia 04 o jornal diz na manchete da pagina A7 que a oposição quer investigar cartões dos ministros. Até aqui, fatos. Mas, o lide começa assim: “Um dia após o Estado revelar que pelo menos 10 dos 37 ministros declararam gastos com cartões corporativos em nome de assessores e subordinados, a oposição voltou a cobrar investigação”. Ou seja, segundo o Estadão, a oposição também só age depois que o jornal age. O ator principal da política (e de seu próprio noticiário) não são os políticos, os partidos nem a oposição. O ator principal é ele, o jornal, que faz a política acontecer.
No mesmo dia, no texto do sub-lide da página A4, a mesma arrogância jornalística: “A farra dos cartões corporativos já derrubou uma ministra. Matilde Ribeiro... pediu demissão na sexta feira, 19 dias depois de o Estado ter revelado que ela foi a campeã de gastos com cartão.” No dia 10 de fevereiro, pagina A4, o jornalão fala dos saques com cartões do Judiciário e do Ministério Público e mais uma vez atribui as decisões dos ministros de conter desvios como repercussões de sua ação, antes de tudo. Diz o texto: “... vários dirigentes do Judiciário adotaram soluções drásticas... Foi o que fez, por exemplo, o presidente do TSE... A decisão veio depois que reportagem do Estado revelou o aumento dos gastos com cartões e saques em dinheiro...”.
Qual é o fato, afinal? O jornal transforma seu noticiário no parâmetro dos acontecimentos, transforma o seu calendário de denúncias no calendário da política. Segundo o Estadão, as coisas acontecem na medida da sua intervenção no cenário da política. Poucas vezes vi tamanha pretensão de alguém em se transformar no senhor dos fatos, árbitro das coisas, o senhor do tempo, o senhor da política.


Luiz G. Motta é jornalista, professor da Universidade de Brasília e pesquisador do NEMP

3 comentários:

Anônimo disse...

Só um comentario bem rápido, tudo que este Jornalao alega para SÍ, creio que alem de mentirosos sao uns vampiros, nao passam de "CHUPADORES" de materia alheia,
todos sabem que o que mais tá dando dor de cabeça para os CENSORES neste pais sao os BLOGs, pois sao eles que estao botando a boca no trombone sem dever nada a ninguem, nao tem GOVERNO que consiga calar os BLOGUEIROS, que estao alertas aos bastidores que ninguem conta, a grande MIDIA nao conta, só conta quando a coisa aperta os bagos deles.

Pra terminar, quem começou esta historia dos cartoes, foi um BLOGUEIRO e cavocou o portal da INTRANSPARENCIA e o DIARIO OFICIAL DA UNIAO, e largou a merda no ventilador, quem detonou com a MINISTRA FREE SHOP foi um BLOGUEIRO, e os JORNALOES foram atras sem citar a FONTE.
Asim é facil fazer materias bombasticas, copiando materia dos outros que deram duro, perderam tempo fazendo pesquisa de monte para chegar a um denominador comun, de quem estava larapiando a grana do povo.

VAMOS A REVELAÇAO, QUE TODOS MERECEM SABER,
O BLOG que começou toda esta encrenca é o:

http://coturnonoturno.blogspot.com/

Vá ate lá e de uma conferida, e de uma boa lida desde o primeiro dia que começou a escrever sobre os CARTOES DO PT.
Eu leio todos os dias este BLOG, e ele é atualisado de hora em hora, é uma loucura total, lá vc fica sabendo cada história muito escabrosa de como anda O PAIS DA PIADA PRONTA.

Anônimo disse...

Ai esta uma relaçao bem interesante como fonte de pesquisa sobre como anda a politica Catarinense.

Tambem fica a sujestao para que se um dia pretender visitar o estado de Santa Catarina, estes blgos e sites, vao dar um bom parametro de como é as coisas por aqui.

Favor se gostar, divulgue para que muitos conmheçam nossa realidade.

http://carlosdamiao.zip.net/
http://www.vieirao.com.br/
http://www.sjsc.org.br/
http://deolhonacapital.blogspot.com/
http://coturnonoturno.blogspot.com/
http://www.fotosalada.com.br/fotosalada/inicio.php
http://www.gazetadejoinville.com.br/
http://www.pauloalceu.com.br/
http://botelheco.blogspot.com/
http://congressoemfoco.ig.com.br/default.aspx
http://www.jmnet.com.br/
http://www.tribunadodia.com.br/home/
http://www.notisul.com.br/
http://www.rederegional.com.br/
http://cangablog.blogspot.com/
http://monitorando.wordpress.com/
http://www.fecasurf.com.br/
http://www.floripanews.com.br/
http://www.folhanorte.com.br/site/
www.mountaindo.com.br

Anônimo disse...

Prof. Luiz Gonzaga,
Com relação à sede de denúncias da imprensa no episódio dos cartões corporativos, vale registrar o mico do Jornal do Brasil que precisou retratar-se hoje com relação à notícia que publicou denunciando o pagamento de 20 bailarinas com cartão corporativo por parte de um funcionário da Casa Civil. A nota de esclarecimento da Presidência informou que as 20 bailarinas são 20 arranjos de flores para ornar o Palácio. Abraço,
Isabela Vargas

"Bailarinas: explicações só cinco dias depois

Cinco dias depois de procurada pelo Jornal do Brasil para comentar o pagamento de "20 bailarinas" por um de seus funcionários, Júlio Castro Cavalcante, a Assessoria de Imprensa da Casa Civil da Presidência da República divulgou ontem nota na qual afirma que o pagamento não "trata de contrato de 20 moças". Mas, sim, de 20 vasos com flores para ornamento chamado de "bailarina"."